terça-feira, 24 de maio de 2016

Poesia





 MARIA DA NAZARÉ


 «Mais uma carta, um bilhete, um conto, um poema, um livro, uma memória muito antiga ou atrasada de menina absurda...
Quem sabe de nós qual?
Tu,,, serena, sedenta, demiurga,
Alumbrada?
Aturdida?
Quantas vezes mais te vou escrever?
Criar-te na invenção da pétala de sedução resgatada, recriando-te Maria ao julgar encontrar-te, redescobrir-te na lisura ligeiramente encrespada de luar das noites mais claras,,,
A espreitar-te:
por uma fresta de nada, uma nesga de tempo, por uma fissura de farpa, um sulco de céu.
A imaginar-te ou a descrer-te, se fosses tal como te queriam no disfarce do nada, e para tal te truncaram a imagem, trocando-a por aquela que eu sempre desmenti - desminto, acreditando no teu sussurro de aragem-folhagem ou conivência sombria.
Colho-te, Maria, a palavra abismada:
Liz
Lírio
De pureza,,, cercada
Dizendo-te rosa no deslumbre-lume dos astros, tal como relembras Gabriel na sua cintilação de asas que te cobriam-encobriam, colhiam no resguardo da sombra.
Procurei-te na poesia, na minha poesia, por ser o único indício de mim que reconheço: poema após poema, após poema...
Pelo teu avesso ignoro o meu direito
E sei do teu direito, através do meu avesso tecido no grito, no gosto e na desobediência.
Por ser essa, Maria, nossa única maneira de surdir.
Partir?
Pois enquanto te escrevi, olhei
o estilhaçar do cristal da tua alma. E no teu rosto eu vi tal como na minha cara,
doces estranhezas ávidas:
cada ruga de riso; cada rego de lágrimas.»
Lisboa, 23 de Maio de 2016
Na foto, Maria Teresa Horta autografa o texto transcrito acima, a pedido de José Tolentino Mendonça.

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